sexta-feira, 21 de novembro de 2014

FEMINICÍDIO: "QUANDO MULHERES SÃO MORTAS POR SEREM MULHERES".



 A partir da década de 1990, a Cidade Juarez, município mexicano na fronteira com o estado do Texas, no Estados Unidos, virou alvo de atenção de órgãos ligados aos direitos humanos. O motivo da atenção foi o alto índice de assassinatos de mulheres, mais precisamente de operárias de fábricas têxteis e de vestuário. A partir desse fenômeno, que matou mais de cem mulheres entre 1993 e o início dos anos 2000, o termo feminicídio - ou femicídio, dependendo da tradução - ficou mais evidente não só entre o meio feminista e de movimentos sociais, mas, também, no âmbito jurídico internacional. O crime é o homicídio causado pela questão de gênero, ou seja, "a vítima é morta por ser mulher".

No mundo, o feminicídio já foi tipificado como crime em países como México, Chile, Guatemala, Costa Rica, El Salvador, Espanha e Peru, segundo dados do Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem). Aqui no Brasil, país que ocupa o 7° lugar no ranking dos países com maior número de feminicídios (o primeiro é El Salvador), o crime pode estar a um passo de ser tipificado e inserido no Código Penal.

Tendo como base dados de instituições como a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Instituto Sangari, responsável pela publicação do Mapa da Violência, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), do Congresso Nacional, aprovou um relatório para combater a violência contra a mulher. Entre os vários pontos levantados, está a oficialização desse crime.

“Queremos assegurar que os crimes contra mulheres não sejam classificados como crimes comuns. O feminicídio é sempre feito por parceiros íntimos, como marido, ex-marido ou um namorado. Esse crime geralmente é resultado de uma série de abusos, como violência sexual. Outra característica é a desfiguração do corpo da mulher, que ou é queimada, ou tem cortes no rosto e marcas oriundas de pancadas”, enfatizou a senadora Ana Rita (PT-ES), relatora do documento.

O relatório de 1,046 mil páginas com 73 recomendações será entregue a todos os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), que ficarão responsáveis pela implementação dos encaminhamentos, que não será obrigatória. Para Luana Natielle, que é advogada do CFEMEA, núcleo de estudos feministas que fez parte das reuniões da CPMI, o problema é, a princípio, a falta de uma política para implementar e  fiscalizar as ações sugeridas no documento.

“O relatório é bem interessante, mas o problema é com a implementação. A nossa expectativa é que os órgãos, mesmo sem a obrigatoriedade, pelo menos se esforcem para inseri-las como políticas públicas efetivas. Na Paraíba, estado onde atuo, houve um aumento de mais de 400% de violência contra mulheres negras. Vimos que há um recorte inter-racial forte e isso precisa ser enfatizado no relatório. As mulheres negras morrem e apanham mais devido a uma dupla violência: de gênero e racial”, enfatizou.

No relatório elaborado no Congresso Nacional, consta que, com base nos dados da ONU, entre 2004 e 2009, 66 mil mulheres foram assassinadas no mundo, só por serem mulheres. Entre 1980 e 2012 dobrou o tipo de assassinato no Brasil: de 2,3 homicídios passou para 4,6 por cada 100 mil mulheres.

Feminicídio e tortura

O termo feminicídio foi cunhado pela primeira vez pela escritora feminista Diana Russell, nascida na África do Sul. Em seu livro Femicide: The Politics of Killing Woman (Feminicídio: as políticas de matar mulher), lançado em 1992 em parceria com Jill Radford, Russell define o crime como resultado de contínuos abusos, tanto físicos como psicológicos ou sexuais, marcados por escravidão sexual, mutilação genital, maternidade forçada, homofobia (quando a mulher é morta por ser lésbica) e racismo, entre outros atos misóginos. Um desses atos, que também é inserido com característica de feminicídio, é a tortura.

Levando em consideração os altos índices de violência doméstica, que ficaram mais explícitos após a Lei Maria da Penha, a CPMI também propôs um projeto de lei para alterar a Lei de Tortura, inserindo nela o recorte de gênero. Segundo a senadora Ana Rita, a tática de exercer domínio do agressor sobre a vítima pode ser classificada como tortura. "A mulher que vive em situação permanente de agressão, todos os dias, ficando com marcas no corpo, passa por uma situação cotidiana de sofrimento físico e psicológico. Por isso, chegamos à conclusão de que a Lei da Tortura também tem de ter esse recorte de gênero", explica.

Vítima de tortura na época da ditadura militar, que no Brasil ocorreu de 1964 a 1985, a feminista e ativista política Amélia Teles é enfática ao dizer que, nos dias de hoje, a prática de violação dos direitos humanos ainda é recorrente no Brasil. "A tortura prejudica, maltrata e danifica homens e mulheres, mas é aplicada em forma desigual em nós. Na ditadura, era frequente o estupro contra mulheres, pontapés em mulheres grávidas, mulheres que tiveram os filhos retirados à força… A própria menstruação era usada para intensificar a tortura na mulher.  Ainda há tortura no Brasil, dentro das instituições estatais. Hoje, vemos a tortura ser aplicada nas mulheres que estão presas, com mães que acabam de dar à luz e têm os filhos arrancados. Há casos de detentas que usavam miolo de pão porque não tinham acesso a um absorvente. Isso também é tortura".
 
 
 
Texto di: JUSSARA SARTORI
Escritora, Poetisa  & Freelance

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