terça-feira, 15 de julho de 2014

É PROIBIDO SER MEIGA, SENSÍVEL, ACREDITAR NA FELICIDADE, "AMAR"?...



Quando somos crianças, pequenos anjos, brincamos com um caleidoscópio, em nossas mãozinhas inocentes, e nossos olhos brilham de alegria ao imaginar que estamos lá dentro, sempre mudando para uma forma mais bonita, mais colorida... Essa pequena esfera comprida vai nos acompanhando no passar dos dias, sempre nos presenteando com as mais belas cores, roubando um sorriso dos lábios. Até a côr dos meus olhos ele roubou. Até certa idade ele foi celeste, como o céu azul. Quando comecei a girá-lo e fui vendo os vidrinhos que formavam meus sonhos e conduziam meus dedos a escrever poemas na areia, vi que meus olhos lacrimejavam e se tornaram da cor do mar. Uma onda gigante me jogando na areia branca, quebrando meu caleidoscópio e levando todos os meus lindos sonhos. 
 
 
Quando ela voltou, carregou-me com ela e jogou-me no inferno. Vivi dentro dele, recebendo hematomas de presente, pelo corpo inteiro, desvirginando-me como se rasgasse minhas entras, fazendo-me sangrar até desfalecer. Mesmo assim, eu me arrastava e escrevia meu sofrimento, com minhas lágrimas e as mãos sujas do meu próprio sangue. Não conseguia fugir do meu feitor.... Até que um dia, quando a ira lhe subiu a cabeça, jogou-me em cima de uma cama, que pareceu ser de pedra, pois senti todo o meu corpo sem forças; sem forças para tirar de cima de mim aquela coisa asquerosa que babava álcool e estava retalhando minhas vestes, me ferindo, deixando meu sexo rasgado e jorrando sangue, pelas suas mordidas. A minha voz morreu na garganta pois uma de suas mãos apertavam-me o pescoço.
 
 
 Perdi os sentidos, de tanta dor.... Creio que era proibido ser pura, meiga, pensar em ser feliz, amar.... Mas aquele monstro quase me matou.... O amor bandido é da ordem da paixão; paixão articulada tipicamente ao ego ideal, portanto funcionando a partir das leis do processo psíquico primário. O apaixonado projeta no objeto de sua paixão o ego ideal, forjado segundo o modelo onipotente do narcisismo infantil. Lembremos que o amor primário é selvagem, quer devorar, possuir, controlar o objeto, negar qualquer diferença. Ao mesmo tempo, a plenitude do narcisismo primário exerce um fascínio, uma atração irresistível. Ilusão de plenitude a ser reassegurada em um movimento compulsivo. Foi esse monstro terrível que me sequestrou da minha inocência, da minha falta de maldade. 
 
 
 A atração particular que a paixão exerce sobre a mulher pode servir-lhe de porta de entrada no registro da perversão. Os argumentos de que toda paixão é uma perversão e de que a mulher alimenta o sonho de se tornar objeto de paixão, se tornar uma exigência vital para o desejo do outro, não bastam para falar de perversão, mas indicam a via pela qual o desejo pode perverter-se. E eu estava nas mãos de um pervertido e louco, alcoolizado e demente. A paixão, enquanto uma forma patológica da vida amorosa caracterizada pela impossibilidade de coexistência das duas subjetividades, é entendida como uma perversão do amor. Da mesma forma nos indica que a paixão amorosa implica em uma emoção que domina o sujeito, diante da qual não há controle, podendo chegar ao excesso de uma transgressão ou de uma perversão. Verifica-se, nestas situações, que não se está mais na ordem do desejo, mas na ordem da necessidade, ou seja, necessidade de fazer perdurar a relação arcaica de fusão e de submissão às figuras parentais tidas como onipotentes.
 
 
 Se o objeto da paixão é necessário, a relação revela seu caráter imperioso, próximo às relações aditivas. Neste sentido, o objeto é sentido como insubstituível, e sua perda implicaria no aniquilamento do sujeito. Ele acabaria de me matar ou eu ficaria ali, esvaindo em sangue? Se a paixão pode levar à transgressão e ao descontrole dos crimes passionais, o "amor bandido", tema recorrente na mídia e também da ordem da paixão, aponta para uma exaltação emocional intensa que toma a forma de uma compulsão e pode conduzir a uma violenta passagem ao ato. O "amor bandido" se apresenta como uma estrutura aditiva e conduz o sujeito à servidão. Ele revela uma angústia diante do desamparo primordial. A tentativa de encontrar um outro a quem se entregar, se oferecer em uma situação de submissão, indica, por um lado, uma saída desesperada para evitar o desamparo.
 
 
 Por outro lado, revela o temor de uma vivência de devastação diante da possibilidade de perdê-lo. Era esse o sentimento que ele nutria por mim; o de um amor bandido que me promiscuía e eu pensava: - Eu preciso do meu caleidoscópio para ser feliz, poder escrever meus sonhos em cores vivas. Se esse é o amor, Deus, leve-me de uma vez; meu coração sangra, meu corpo sangra... Es´ta machucado demais para que eu possa reagir.... Ao estabelecer uma relação, o indivíduo com uma fragilidade narcísica percebe o parceiro como indispensável ao seu equilíbrio. Assim, sua escolha pode se dar numa perspectiva eminentemente defensiva, ou seja, sua presença colabora na luta contra o retorno de uma parte recalcada do sujeito e, neste sentido, faz com que a relação torne-se rígida. O outro, enquanto objeto a ser possuído e controlado, transforma-se em traidor pelo simples fato de existir fora da relação como um moço gentil, serviçal, prestador de favores intencionais.... O Bom Samaritano. 
 
 
Mesmo sem forças, minhas unhas cravavam em minhas próprias mãos, como uma maneira de punir-me pelo sacrilégio que imputei a mim mesma, pensando que aquelas sandices era o amor... Eu queria morrer! Abri meu olhos e  me senti numa escuridão... Comecei a me arrastar, como uma cobra, procurando uma saída, tatuando o chão a esmo... Queria fugir dali.... A ruptura de uma relação apoiada na expectativa de evitar o desamparo provoca intensa emoção e uma tentativa de manter um rígido controle sobre o outro, não reconhecido em sua alteridade. A irracionalidade da atitude vingativa deixa entrever uma agressividade arcaica. As contrariedades vividas na relação e após sua dissolução são sentidas como feridas ao narcisismo do sujeito e não apenas como diferenças e frustrações existentes em qualquer relação humana.
 
 
 O inimigo que desperta a fúria arcaica é aquele que provoca falhas numa realidade narcisista percebida. Constatar que o outro é independente e está conseguindo gerenciar sua vida após a separação é experimentado como ofensivo por aqueles que têm intensas necessidades narcísicas e depositaram no casamento seus anseios funcionais. Se aquele inferno, aquele cárcere privado era um casamento, fui jogada para o monstro errado, porque aquilo nunca foi um homem... Como era gigantesco o meu ódio, o meu asco, repulsa... Meu Deus, eu quero amar, ser amada... Eu quero um anjo, Senhor! A noção de fúria narcísica, pode nos ajudar a entender alguns casos de alienação parental. Indivíduos narcisista vulneráveis são acometidos por um sentimento de fúria quando o objeto deixa de viver de acordo com as expectativas a ele dirigidas.
 
 
 A estaiaria narcísica é uma resposta a uma ferida narcísica real ou antecipada e pode tomar a forma de uma necessidade de vingança, de reparar uma afronta, marcada por uma compulsão inexorável de perseguir esses objetivos sem dar trégua àquele identificado como o ofensor. Diante de qualquer possibilidade de conquistas obtidas pelo outro, tomado como o inimigo a quem se precisa destruir, o sujeito busca fazê-lo passar pelos mesmos sofrimento e humilhação vividos quando da união, que se chama casamento. Eu odeio os homens! Como poderei saber se um homem é um verdadeiro anjo do amor? No início de um relacionamento amoroso, é comum que as qualidades do parceiro sejam amplificadas e se acredite poder modificar, durante o transcorrer do mesmo, as características que pareçam indesejáveis.
 
 
 Articula a paixão à posição esquizofrenia, considerando que, inicialmente, tudo de bom está no outro e se espera corrigir o "pequeno defeito" que possa haver através do encontro amoroso. Em um segundo tempo, como na posição depressiva, em decorrência da reconciliação do bom e do mau objeto, o sujeito deve renunciar à possibilidade de que o outro seja totalmente bom. Assim é que, no começo, espera-se ficar com o bom e curar magicamente o que é inaceitável. Quando se constata que os aspectos bons e maus são indissociáveis, é comum ocorrerem depressão e movimentos que oscilam entre a regressão e a imposição; ou seja, forçar o parceiro a cumprir o pacto e corresponder às fantasias idealizadas do início da relação. Mas meu casamento não teve lugar para fantasias e sim para um filme de horror. Eu continuava me arrastando, parando, de vez em quando, pois as dores eram muitas e eu deixava meu rastro de sangue.
 
 
 O meu objetivo é mostrar sentimentos que eclodem quando do rompimento de uma relação que o homem repreendo muito bem, diz que é  amorosa. Inicialmente, privilegiamos o "enlouquecimento" da mulher pela perda do amor e como isto se reflete tanto no lugar que ocupa como mãe quanto nas exigências feitas ao parceiro. Entretanto, parto da premissa de que o jogo relacional não é completamente definido por apenas um dos parceiros, há sempre uma coprodução, há uma aceitação mútua obrigada por pressão psicológica e psicopata, dos papéis assinalados para cada um no cenário de uma relação. Ambos validam as regras do jogo até o momento em que um deles questiona seu lugar no desejo do outro e com isso gera uma crise. Crise? Não... Não!... Um inferno, um vulcão em plena erupção, como o "Vesúvio", que destruiu Pompeia... Eu não escolhi; eu caí na armadilha que foi quase letal.
 
 
 A angústia experimentada pela mulher não está referida à perda real do objeto, mas à perda do amor falso por parte do objeto. Ampliando esta afirmação, enfatizo que o medo de ser abandonada pela parceira e perder seu brinquedo é uma invariável na vida psíquica masculina.  Enquanto a mulher está submetida à função fálica, nele encontrando um apoio para atravessar os momentos de angústia, o homem experimenta uma espécie de dissolução de si, perdendo as fronteiras do seu ser. Diante de um não saber sobre a própria masculinidade, o homem tentará fazer suplência a essa falta por meio do falso amor e buscará exclusividade no desejo de uma mulher. Assim sendo, o amor, sobretudo a perda do amor, é por ele sentida como uma devastação. Ele se perde ao perder a confiança da mulher.  A necessidade de amor e a total dependência em relação ao homem vão se impondo historicamente como constitutivos da identidade masculina. 
 
 
O culto ao falso amor permanece até hoje, pois a saída pela vertente do "ter" não soluciona sua questão, na medida em que as conquistas fálicas obtidas pelo homem na atualidade não superam a pendência identificaria na ordem do "ser". A mulher precisa ser amada para "ser"; assim, sua feminilidade é definida através da parceria com um homem. Ao abdicar de sua própria vida em favor do amado, torna maior sua exigência amorosa.  O homem estar amando é um vício, de modo que amar demais, enlouquecer de amor é uma vicissitude comum na vida erótica feminina. Em seu "enlouquecimento", exige do parceiro "provas de amor" que, por vezes, transcendem os limites da lei. Foi nesse terrível desastre  em que fui  enganada e quase me perdi.  O homem estar amando é um vício, de modo que amar demais, enlouquecer de amor é uma vicissitude comum na vida erótica feminina. 
 
 
Em seu "enlouquecimento", exige do parceiro "a fidelidade que elas têm, perante ao juramento nupcial" por vezes, transcendem os limites da lei.Um "complexo de Medeia"  é identificado em processos ajuizados nas Varas de Família, revelando um número crescente de mulheres que usam os filhos como uma arma para atingirem os ex-maridos. Questões mal resolvidas no processo de separação, a inveja, sentimentos de solidão, o abandono, a vivência da traição, entre outras motivações, provocam a animosidade, liberam o ódio, a vontade de vingança e provocam destruição. Destaco que, cego de raiva e animado por um espírito de vingança, o genitor alienador apresenta-se como superprotetor em relação aos filhos e como vítima de uma injustiça provocada pelo genitor alienado. A noção de fúria narcísica, pode nos ajudar a entender alguns casos de alienação parental. Indivíduos metafisicamente vulneráveis são acometidos por um sentimento de fúria quando o objeto deixa de viver de acordo com as expectativas a ele dirigidas.
 
 
 A fúria narcísica é uma resposta a uma ferida narcísica real ou antecipada e pode tomar a forma de uma necessidade de vingança, de reparar uma afronta, marcada por uma compulsão inexorável de perseguir esses objetivos sem dar trégua àquele identificado como o ofensor. Diante de qualquer possibilidade de conquistas obtidas pelo outro, tomado como o inimigo a quem se precisa destruir, o sujeito busca fazê-lo passar pelos mesmos sofrimento e humilhação vividos quando da união, que se chama casamento. Enquanto me arrastava, todo este filme passava pela minha cabeça. De repente, não vi nem escutei mais nada. Acordei em uma clareira de pinheirais sem fim. Um Samaritano cuidou de mim mas não conseguiu arrancar tantos sentimentos ruins de dentro de mim; falando em felicidade eterna, o carinho, em me levar para um lugar de paz onde eu teria sossego... Mas ele fugiu; era um sonho cortado por sua pessoa... 
 
 
Mais um de meus terríveis pesadelos.Acreditar que a felicidade possa existir.... O amor, de que tanto preciso, para ser definitivamente feliz e poder "acreditar". Você veio, cuidou de mim como de um canteiro de "Amor Perfeito". Acreditar em você? Eu acreditei... Aliás, eu creio. mas sinto que nãos passo de poemas, escritos em papel que trouxe os pães da padaria. Quantas mulheres passam e já passaram por tudo isso? Tive e tenho coragem de relembrar tudo, contar a vocês, para encorajá-las... Mas tenho lutado sozinha. Onde estão meus soldados? Onde está a felicidade, a fidelidade, a paz e o amor que me prometeu? Hoje a noite está muito fria; minhas mãos estão duras, o meu corpo estará para a cama assim como o sarcófago estava para a bela Cleópatra......



Texto de: JUSSARA SARTORI
Escritora, Poetisa & Freelance

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