segunda-feira, 26 de novembro de 2012

OS ANJOS SÃO CELESTES - "DEPOIMENTO"

Ao meu ver todas às mulheres são anjos (mesmo àquelas que não nasceram no céu mas na lama abdominável da mais horrível decadência que uma mulher pode chegar: - A prostituição. Mesmo assim elas podem ter uma segunda chance e chegar à regeneração pois os meios justificam os fins e todas elas têm um pouco de santas pois vieram ao mundo para gerar vidas, para acalentar um anjinho que chora).

Mas hoje estou aqui para contar à minha história e que, por ironia do destino, meu nome é Ange. Não nasci ao lado do Senhor, mas fui gerada por uma santa e tive por genitor um verdadeiro guerreiro. É o homem mais sensacional que conheço (um marido de ouro e um pai que é o único no mundo).

Nasci em uma cidade pequena do interior onde a harmonia, a compreensão e as brincadeiras de menina mimada e adorada por toda a família fez da minha vida um paraíso, onde havia lugar para todo tipo de brincadeiras, inclusive para edificar castelos de sonhos, castelos de fumaça.

Eu era uma menina linda, doce e sem maldade. Meus avós eram uns amores! Lembro que as primeiras palavras em italiano que aprendi foi com ele (e o castelhano com as freiras colombianas que eram enfermeiras no hospital do meu primo) que passava horas e horas a conversar comigo, na sala do casarão, com sua calça cáqui, suas pantufas, a blusa de lã azul e seu inseparável rádio de pilhas. Ele, assim como meu pai, era uma sumidade; de uma inteligência extraordinãria. Contou-me que conheceu Rui Barbosa; falou-me do Congresso de Haia, na Holanda, da grande sabedoria desse brasileiro, que deixou todos de boca aberta com sua inteligência inusitada... Com essas verdadeiras aulas de cultura e de idiomas fui aperfeiçoando mais os meus conhecimentos e sempre com vontade de vencer todas às barreiras para ser jornalista, uma carreira que, aos olhos da minha família tradicionalíssima, era muito masculina e perigosa. Mas sempre escrevi e muito.

Sempre tirava algumas horas para ficar na farmácia com vovó, que foi a pessoa mais doce com quem convivi. Foi nessa época que tive minha primeira experiência aterradora. Minha avó me pediu para ir até à cozinha buscar uma calda de açúcar com que se manipulava xaropes. Quando subi, no primeiro quarto por que passei estava um marido de uma tia, irmã de minha mãe, que me jogou contra a parede dizendo que eu era linda, gostosa, que ele me queria... O pânico foi tanto que escorreguei pela parede e fugi por baixo  de seus braços. Corri para à minha casa como um foguete. Ninguém nunca ficou sabendo do episódio mas fiquei um pouco mais esperta e na defensiva.

Gostava muito de estudar História Geral (ficava embevecida com as histórias gregas e romanas... Apaixonei-me pelo filme Helena de Tróia e do príncipe Páris. Crescia, bincando com minhas bonecas, de casinha, com minhas amigas; jogando volei, pulando amarelinha... E sonhando com meus príncipes encantados. Cheguei mesmo a ter um diário
em que relatava todos os meus sonhos de criança e adolescente. Era maravilhoso escrever:
-Eu me jogava de corpo e alma para dentro da folhe em que escrevia.

Terminei meus estudos de magistério, do ensino médio e fui para a capital em busca do meu sonho de ser jornalista. Fui morar com um tio maravilhoso (que sempre me chamava de minha linda e era um homem de um coração enorme e cuidou de mim como seus próprios filhos. Também comecei a trabalhar em um órgão público, onde  ganhava muito bem e ainda tinha tempo de dedicar a um romance que estava escrevendo. Estudava pela manhã.

Foi nesse época que conheci um colega da minha prima que fez tudo para eu o namorar, dizendo que papai iria gostar muito pois ele tinha berço e nome como eu...
... Foi aí que começou meu inferno. O bom rapaz que parecia ser bonzinho, ser gentil... Levou-me para conhecer sua família toda (inclusice à avó que, por coincidência, havia namorado um meu tio-avô italiano). No princípio tudo parecia ir bem (fizemos vestibular nas mesmas universidades). Saíamos sempre, nos finais de semana, junto com suas tias solteiras e seus irmãos com as namoradas. Meu maior sonho era ser mãe pois adoro crianças até hoje.

Só que fui descobrindo seus defeitos: - Bebia demais e virava um bicho quando estava bêbado. Tive que mudar da casa do meu tio para não complicar a sua vida com a sogra, que também morava na mesma casa.Conseguiu-me um pensionato, só para moças, na zona sul da cidade, de onde nunca mais saí, até me casar.

Minha vida era bastante  gratificante, no sentido montário pois, quando fui para a capital estudar meu avô paterno gostava de me ajudar, presenteando-me todos os meses com um salário mímino, junto com os outros oito que eu ganhava como secretária executiva. A vida da cidade grande não me corrompeu; continuei a mesma garota simples, ingênua, doce e boa que sempre fui,

Só que as bebedeiras do meu já noivo iam sempre ficando piores. Uma vez, em que ele estava bêbado demais e eu disse que não sairia de casa, pegou a aliança, mastigou-a, fazendo dela uma bola de ouro (até há pouco tempo ainda a tinha).  jogando-a em cima de mim. Foi horrível e degradante. Telefonei para que seu irmão o buscasse...
Eu, Ange, estava me sentindo um anjo de asas quebradas!

Pensei que pudesse mudá-lo com o passar do tempo mas errei na minha dedução; e mesmo que a minha educação falasse mais alto, não adiantou. Nessa época  perdi meu avô materno que tanto amava. Chorei muito, mas nesse quesito Deus não nos poupa, sempre leva àqueles que amamos muito.

Casei e me mudei para outro bairro da zona sul; era quase vizinha da minha sogra. As coisas foram só piorando. Por causa dele perdi meu emprego e fui perdendo minha autoestima. Comecei a entrar em depressão pois não sei se por causa do alcool ou se por parecer um homem das cavernas; sabia me usar e não me amar. Procurei um médico que me receitou um calmante e um remédio para dormir.

Eu morava em uma casa de dois andares e um dia acordei muito assustada. Não estava em meu quarto e sim deitada em outro (de visitas), com minha bolsa aberta ao lado da cama e tudo que estava dentro  espalhado no chão. Minha carteira estava sem nenhum dinheiro.
Levantei, fui até meu quato, que estava todo atrapalhado, com as portas do armário abertas, como também as gavetas da cômoda...
Olhei e fiquei em pânico. Toda a minha roupa e minhas coisas haviam sumido (mas só as minhas... As dele, não... Muito estranho, não é mesmo? Aliás, todas as vezes que viajava para a casa dos meus pais (sem a companhia do meu estranho marido), sumiam muitas coisas de uso íntimo.

Quis mudar para um apartamento por ser mais seguro e ele me mandou procurar. Encontrei um, em outro bairro da zona sul, que era um encanto, apesar de mais antigo. Era grande, os vizinhos eram ótimos e embaixo havia tudo que eu precisava (do açougue à farmácia).
As bebedeiras continuavam fortes e eu sofria agressões que nem ele  se lembra mais devido o seu alto grau de teor alcoólico na época. Hoje, mesmo separados, ainda bebe muito, assumindo, então, sua máscara de cinismo.

 Uma vez ele me jogou em cima da cama, trancou a porta à chave, por causa da empregada, e tentou arrancar minha calça jeans, que era bem justa. Como não conseguiu e eu pedia  pelo amor a Deus que me deixasse, pegou uma tesoura e começou a cortar às pernas da calça me arranhando, me ferindo toda. Na altura das coxas ele enterrou a tesoura em minha perna furando uma pequena circunferência de onde jorrava muito sangue, deixando minha colcha branca enxarcada  com meu próprio sangue.

Acabou de cortar o restante da calça, rasgou minha calcinha e começou como um louco a tentar me enfiar seus órgãos genitais e tudo que vinha junto naquele amontoado nojento e mole que ele queria me inserir e não cabia dentro de uma circunferência tão pequena. Fiquei muito machugada e sangrava muito... Era uma dor lascinante que me dava vômitos e eu vomitei muito (sou assim desde criança; quando sinto uma dor muito forte). Não sei bem o que ele queria fazer em mim mas, como não conseguiu, saiu blasfemando e me chamando de nomes horríveis. Minha empregada veio para me socorrer e  fiz com que ela jurasse que não contaria aquilo a ninguém.

Fiquei sangrando uns quinze dias e com um dos olhos roxos, o que me deixou presa em casa, sem poder atender quem aparecia lá em casa. E eu não conseguia ter o meu filho; já tinha passado por dois abortos.

Ele teve a capacidade de me levar para uma casa de doentes mentais e me jogar  na porta e ir embora me deixando como uma indigente. Os enfermeiros me levaram para dentro para que os médicos examinassem e pudessem ter uma noção do que pudesse estar acontecendo. Viram que eu não tinha nada e que não poderia dormir junto com os outros internos. Passei a noite em uma cama de campanha no corredor (sem conseguir dormir, obviamente). Como ele me deixou lá sem bolsa e sem documentos, falei aos médicos a minha identidade e o telefone dos meus pais que vieram em meu socorro.
Assim consegui me safar de mais uma que o monstro psicopata me aprontou.

Outra vez conseguiu me segurar ao lado dele. Engravidei e tive que uma gravidez de alto risco (fiquei nove meses em cima de uma cama, com um calor infernal). Para o tempo passar, escrevia, lia, aprendi a fazer mil tipos de sapatinhos de lã e, assim, empurrei meus penosos nove meses.

Meu filho nasceu e era muito lindo (tinha os meus olhos). Mas era triste - o pai não tinha paciência - do mesmo modo que me batia, fazia o mesmo com ele... Uma vez lhe deu uma bofetada, com tanta força, por nada, que seus cinco dedos ficaram cravados em seu rostinho apavorado. Em outra ocasião foi uma caneca de chocolate quente que jogou em seu rosto.

Quando ele tinha um ano e pouquinho senti que estava grávida novamente. Não fui nem ao meu ginecologista. Conversei com o pediatra do meu filho e ele me deu um pedido de
exame de sangue. Deu positivo. Quando minha filha nasceu meu anjinho ainda não havia feito dois anos; só fez treze dias depois.

Meu inferno piorou. Agora, além de me agredir, agredia a mais dois. Quando minha filha estava com dez meses e eu a segurava nos braços, ele me deu uma bofetada que quase caímos. Levei a babá mais os dois para o apartamento de minha amiga do andar de baixo para que eles não vissem tanta coisa ruim.

Um dia qualquer minha sogra foi dormir lá em casa, por estar sozinha; ele já havia bebido dez garrafas de cerveja. Como o seu quinhão de dinheiro do fim de semana  tinha acabado todo, começou a beber whisky escocês, que havia ganhado da viagem de um amigo. Peguei a garrafa e despejei a metade restante na pia da cozinha, deixando-o  paranóico. Deu-me um tremendo chute no tornozelo que me deixou um ano inteiro com um caroço no lugar afetado. com muitos tratamentos locais. Sua mãe não me defendeu, não falou nada.

Minha irmã morava comigo; não podia fazer nada e, muitas coisas que acontecia entre quatro paredes eu não lhe falava. Ele começou a mexer com agiotas e uma porção de pessoas estranhas. Não dava para entender por que precisava de tanto dinheiro se ganhava tão bem.

Depois de tantos maus-tratos e sofrimento, comprei um colchão e passei a dormir no quarto com as duas crianças juntas. Um sábado quando passava a vassoura na copa, para tirar os farelos do lanche dos meninos ele me atacou. Pegou a vassoura e enfiou-a entre meus dois seios. A dor foi horrível! Estava bêbado demais! Minha irmã nos levou para uma pizzaria e ficamos por lá bastante tempo. Quando voltamos, sua embriaguès era tanta que  perguntou se nós estávamos chegando da casa dos meus pais que moravam a 160 km em outra cidade.

Procurei um advogado, expliquei toda a situação e como agir. Ele disse que eu teria que ir à Delegacia de Mulheres e relatar tudo o que  já havia sofrido, inclusive mostrar o imenso hematoma entre meus seios.

Ele foi intimado, autoado. Seria preso por um mês, o que seria um vexame para um homem de sua classe social. Olhei-o e pensei nas crianças imaginando o que o crápula contaria a elas no futuro. Retirei a queixa mas, nessas alturas, já não suportava olhar no rosto dele.

Nos trouxe para a cidade que moro hoje e nos abandonou para não ter responsabilidade com nada. Isso sem contar às altas mentiras que conta às crianças. E, apesar de ter uma amante, vive se intrometendo em nossa vida, nos prejudicando, me difamando...

Deixou minha autoestima lá no chão. Hoje minha vida é só escrever, olhar pelos meus filhos... Sem presente e sem futuro. Um grande amigo, de outro país, me ajudou a arrancar de dentro todo mal que ele me deixou. Mas a Ange é um anjo de asas quebradas. Conheceu o verdadeiro amor, mas nunca poderá usufruir dele, da felicidade, do prazer delicado de ser abraçada, beijada, amada com respeito.


                                                                         Postado por: JUSSARA SARTORI

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