domingo, 20 de setembro de 2015

EU NÃO SEI POR QUE OS HOMENS MATAM AS MULHERES..


Há dias não escrevo. Não por falta de incentivo ou algo similar. Nestes dias aconteceram crimes bárbaros, o mundo virou um caos, onde milhares de inocente morrem, diante de uma guerra bárbara, onde distribui milhares de pessoas que procuram um porto seguro para salvar sua própria pele. Milhares de crianças morrem injustamente, por culpa de uma palavra que esbanja candidatos que se engalfinham para ver que pode se dar melhor. O Brasil, está cada vez mais infestado de homens insaciáveis em dar cabo nas mulheres. Existem milhões de argumentos em que poderemos basear a situação, mas isto me levaria a escrever mais que um artigo; e hoje não é o momento certo. Na Itália parece que a situação não é melhor, mas existem países que fazem estes dois países parecer um paraíso.
Muitos dos chamados crimes passionais são o sintoma do declínio do império patriarcal. A violência não é só de loucos, monstros, doentes. E pouco importa o contexto social: não se aceita a autonomia feminina.

Temos a opinião de Michela Marzano, filosofa italiana, doutora em filosofia pela Scuola Normale Superiore di Pisa e atual professora da Universidade de Paris V (René Descartes). O artigo foi publicado no portal do jornal La Repubblica, 14-07-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Ela nos diz o seguinte:
-Eles continuam sendo chamados de crimes passionais. Porque o motivo seria o amor. Aquele que não tolera incertezas e falhas. Aquele que é exclusivo e único. Aquele que leva o assassino a matar a mulher ou a companheira justamente porque a ama. Como diz Don José na obra de Bizet antes de matar a amante: "Fui eu que matei a minha amada Carmen".

Mas o que resta do amor quando a vítima nada mais é do que um objeto de posse e de ciúmes? Que papel ocupa a mulher dentro de uma relação doente e obsessiva que a priva de toda a autonomia e liberdade?

Durante séculos, o "despotismo doméstico", como chamava o filósofo inglês John Stuart Mill no século XIX, foi justificado em nome da superioridade masculina. Dotadas de uma natureza irracional, "uterina", e úteis somente – ou principalmente – para a procriação e para a gestão da vida domésticas, as mulheres tinham que aceitar aquilo que os homens decidiam para elas (e para o seu bem) e submeter-se à vontade do "pater famílias".

Desprovidas de autonomia moral, eram obrigadas a encarnar toda uma série de "virtudes femininas", como a obediência, o silêncio, a fidelidade. Castas e puras, tinham que se preservar para o legítimo esposo. Até à renúncia definitiva. Ao desinteresse, substancialmente, pelo próprio destino. A menos que aceitassem a exclusão da sociedade. Serem consideradas mulheres de má vida. E, em casos extremos, sofrer a morte como punição.

As lutas feministas do século passado deveriam ter feito com que as mulheres saíssem desse terrível impasse e deveriam ter esmigalhado definitivamente a divisão entre "mulheres de bem" e "mulheres de má vida". Em nome da paridade homem/mulher, as mulheres lutaram duramente para reivindicar a possibilidade de ser, ao mesmo tempo, mulheres, mães e amantes. Como dizia um slogan de 1968: "Não mais putas, não mais santas, mas apenas mulheres!".

Mas as relações entre os homens e as mulheres mudaram verdadeiramente? Por que os crimes passionais continuam sendo considerados "crimes à parte"? Como é possível que as violências contra as mulheres aumentem e sejam quase transversais a todos os âmbitos sociais?

Quanto mais a mulher busca se afirmar como igual em dignidade, valor e direitos ao homem, mais o homem reage de modo violento. Só o medo de perder algumas migalhas de poder o torna vulgar, agressivo, violento. Graças a algumas pesquisas sociológicas, hoje sabemos que a violência contra as mulheres não é mais só o único modo em que um louco, um monstro, um doente pode se expressar. Um homem que provém necessariamente de um círculo social pobre e inculto.

O homem violento pode ser de boa família e ter um bom nível de instrução. Pouco importa o trabalho que ele faça ou a posição social que ocupe. Trata-se de homens que não aceitam a autonomia feminina e que, muitas vezes por fraqueza, querem controlar a mulher e submetê-la à sua própria vontade. Às vezes são inseguros e têm pouca confiança em si mesmos, mas, ao invés de procurar entender o que exatamente não vai bem em sua própria vida, acusam as mulheres e as consideram responsáveis pelos seus próprios fracassos. Progressivamente, transformam a vida da mulher em um pesadelo. E quando a mulher busca refazer a vida com um outro, procuram-na, ameaçam-na, batem nela, às vezes matam-na.

Paradoxalmente, muitos desses crimes passionais nada mais são do que o sintoma do "declínio do império patriarcal". Como se a violência fosse o único modo para evitar a ameaça da perda. Para continuar mantendo um controle sobre a mulher. Para reduzi-la a mero objeto de posse. Mas quando a pessoa que se ama nada mais é do que um objeto, não só o mundo relacional se torna um inferno, mas o amor também se dissolve e desaparece.

Certamente, quando se ama, se depende em parte da outra pessoa. Mas a dependência não exclui jamais a autonomia. Pelo contrário, às vezes é justamente quando somos conscientes do valor que uma outra pessoa tem para nós que podemos entender melhor quem somos e o que queremos.

Como escreve Hannah Arendt em uma carta ao marido, o amor permite que nos demos conta de que, sozinhos, somos profundamente incompletos, e que só quando estamos ao lado de uma outra pessoa é que temos a força para explorar zonas desconhecidas do nosso próprio ser.

Mas, para amar, é preciso também estar pronto para renunciar a qualquer coisa. O outro não está à nossa completa disposição. O outro faz resistência diante da nossa tentativa de tratá-lo como uma simples "coisa". É tudo isso que os homens que matam por amor esquecem, não sabem ou não querem saber. E que pensam que estão protegendo a própria virilidade negando ao outro a possibilidade de existir.

Teremos que boicotar esta chacina que só está crescendo e crescendo. Mas em quem podemos confiar? A polícia é corrupta, os advogados comprados, o poder executivo não sabe executar nem a si mesmo.

Continuarei a pesquisar pelo mundo para ver se consigo emendar às pontas do fio que se partiu. É um trabalho árduo e sem pistas....


Texto de: JUSSARA SARTORI
Escritora, Poetisa & Freelance

Nenhum comentário:

Postar um comentário