quarta-feira, 4 de abril de 2018

AGORA FOI MARIELLE; AMANHÃ QUEM SERÁ?

O os dias passam e os homens não param de assassinar mulheres. Seja para se sentir mais homem, mais machos, a mando de outras pessoas, queima de arquivo, etc..
Fiquei bastante tempo sem escrever mas, passo por períodos que tenho ódio de todos os homens do mundo. Estamos em grau de desigualdade pois o homem é mais forte que nós, mulheres.
Morrem dezenas de mulheres todos os dias e nós nem ficamos sabendo porque são mulheres comuns, sem pertencer a qualquer entidade política ou humana.

 Mas, todo o assassinato de alguma mulher que pertence a algum cargo  mais elevado sempre tem uma enorme repercussão no mundo inteiro.O assassinato de uma militante por sua atuação política é sempre uma derrota coletiva. Falhamos em não construir as redes de solidariedade e resistência fortes o suficiente para proteger uma das nossas, para garantir que ela continuasse pautando suas ideias e construindo práticas, seja na cidade em que nasceu ou em outra qualquer. Essa falha não é de tal ou qual grupo político, mas do conjunto dos trabalhadores que, em suas lutas sociais, não conseguiram assegurar as condições de segurança, necessidade prévia para que qualquer embate político e ideológico transcorra.

Estes casos nos quais a integridade física de militantes é atacada podem provocar um grande impacto social, especialmente quando se trata de figuras públicas em cidades que recebem muita atenção midiática. São emblemáticos desse efeito o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, que desencadeou uma série de mobilizações populares contra a ditadura, ou o assassinato do sapateiro José Martinez, que fez a greve de 1917 se tornar, de fato, geral.

 A execução de Marielle Franco, quinta vereadora mais votada na cidade do Rio de Janeiro, foi feita com balas compradas pela Polícia Federal, dias depois de denúncias à violência policial, em um estado que está sob intervenção federal e não se teve nenhum trabalho de esconder que tenha sido uma execução. Parece claro que o objetivo era, além de calar uma militante específica, demonstrar força e poder, incutindo medo naqueles que se mobilizam ou pretendem se mobilizar.


Contudo, a repercussão do assassinato de Marielle Franco é um desses momentos em que a denúncia regular de perseguições aos que lutam, dos riscos que os militantes sofrem todos os dias, das centenas de assassinatos cometidos contra jovens de periferia, se tornam imperiosos temas de debate. Seja no grupo de família, na sala de aula, no refeitório do trabalho, nos transportes coletivos, o tema era o mesmo: o assassinato de uma militante por conta de suas convicções políticas. As mobilizações nas redes sociais tiveram 88% de apoio à vereadora e suas causas, com denúncias claras ao absurdo de seu assassinato.

 As manifestações de rua juntaram milhares de pessoas em diferentes cidades do país, sendo marcadas pela ausência de repressão policial aberta. Os telejornais, jornais impressos, revistas, artistas de diferentes ramos, jogadores de futebol e diversos outros formadores de opinião manifestaram seu repúdio ao acontecido.

 Claro, é difícil medir o quanto essas figuras públicas e grandes meios de comunicação manifestaram-se dessa forma porque a comoção social os obrigou a isso, ou se foi esse posicionamento que permitiu a construção de um amplo consenso social sobre o tema. A esquerda, em particular a extrema-esquerda, quando retirada de seu gueto e colocada no centro do debate político, de tão acostumada a falar só com os seus, volta as costas para o debate amplo e faz um grande esforço para conservar sua pureza, perdendo a capacidade de intervenção significativa na sociedade. O risco evidente do esforço da esquerda de retornar para sua zona de conforto é que outros assumam a frente da condução dessas mobilizações, fazendo valer assim seus interesses.

É o caso, por exemplo, do próprio porta-voz da intervenção, que se manifestou afirmando que o crime só reforça a necessidade da intervenção, que pode permitir a apuração rigorosa, com punição dos responsáveis. Alguns dos formadores de opinião escalados pelos telejornais têm se manifestado no mesmo sentido, dizendo que está mais uma vez comprovado o caos social no Rio de Janeiro e que é necessário tomar medidas duras contra o crime organizado.

 A morte de Marielle e a comoção social por ela causada correm o risco de serem utilizadas em favor do exato oposto ao que a militante defendia. O corpo de Marielle está em disputa, mas se engana aquele que pensa que esta disputa se resume à travada nas redes sociais entre os campos nos quais a própria vereadora atuava, o classista e o identitário. Há mesmo aqueles que, usando da expertise formada em 2013 – a exemplo do que agora faz a Rede Globo –, tentam determinar os rumos dos atos e mobilizações desde o seu primeiro momento, tirando o caráter combativo das ruas e o protagonismo da esquerda.

Mas as esquerdas, neste momento, caminham numa linha tênue: ao exigir a punição dos responsáveis e a apuração rigorosa sobre o assunto, debaixo da palavra de ordem “Quem matou Marielle?”, podem reforçar a perspectiva de individualização de condutas, o que via de regra justifica a ampliação das estruturas punitivas; ao mesmo tempo, a responsabilização dos assassinos parece fundamental para evitar que outros crimes semelhantes aconteçam, além de ser também o que mobiliza a maioria da população que neste momento está indignada com o ocorrido.

 Uma opção seria tentarmos nos agrupar em torno de uma palavra de ordem que avance para uma outra perspectiva, para além da individualização e com foco nas práticas sociais.
Tenho absoluta certeza de que este crime ficará sem punição porque o momento em que vivemos é de terror, de abalar às estruturas emocionais de qualquer cidadão brasileiro. Estamos vivendo em um inferno real. Os que dizem que tudo está igual, fingem não estar vendo que este golpe político abalou e está abalando a estrutura de todos os cidadãos brasileiros.


TESTO DE: JUSSARA SARTORI
Escritora, Poetisa e Freelance


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